Daniel Faria

A Teosofia antiga de AMÓNIO SACAS

Por Daniel Faria em Dezembrode 2023

Tema Espiritualidade / Publicado na revista Nº 35

A teosofia antiga ocidental remonta ao neoplatonismo alexandrino, mais concretamente à figura ímpar de Amónio Sacas. 

Amónio Sacas (175-242) foi o fundador da Escola Teosófica Eclética, na cidade de Alexandria, no ano de 193, que segundo Helena Petrovna Blavatsky, foi a precursora da moderna Sociedade Teosófica. 

Alexandria era uma das maiores metrópoles do mundo de então, com um milhão de habitantes. No âmbito do Império Romano, a sua magnificência era somente superada por Roma, a grande capital imperial. 

Quando Amónio Sacas nasceu, a população do Imperio Romano estava estimada entre 55 e 60 milhões de habitantes, correspondendo a cerca de um quarto da população mundial de então. 

Alexandria era o ponto focal do encontro entre o Oriente e o Ocidente, atraindo egípcios, romanos, gregos, judeus, núbios, persas, indianos e muitos outros. A grande diversidade cultural e religiosa gerou várias controvérsias, mas também providenciou o solo fértil no qual emergiu uma riqueza espiritual e filosófica especialmente profunda. 

No coração da grande urbe alexandrina, estava o Museu, que também funcionava como uma academia, sendo um grande centro filosófico e científico, e a célebre Biblioteca, que tinha uma coleção estimada num milhão de documentos. 

Amónio Sacas nasceu como cristão, filho de pais cristãos, mas posteriormente afastou-se do cristianismo devido ao dogmatismo crescente que caraterizava a generalidade do movimento cristão de Alexandria. 

Desgostoso com as tendências sectárias e supersticiosas de vários cristãos, que não diferiam em muito das tendências igualmente supersticiosas de numerosos pagãos de então, Amónio mergulhou na busca da sabedoria antiga e perene. 

Parece evidente que Amónio conheceu profundamente as diversas correntes espirituais, religiosas e filosóficas da Antiguidade. 

Amónio apresenta a reputação de ser o primeiro filósofo a empregar a palavra teosofia, que significa "sabedoria divina". Esta informação não é totalmente correta. A primeira vez que a palavra foi usada publicamente foi por parte de Pot-Amum, um sacerdote que viveu nos primeiros tempos da dinastia ptolemaica dos monarcas do Egito, no século III AEC. Diz-se publicamente porque existem fortes evidências de que a palavra teosofia era usada, de forma reservada, nas escolas de mistérios da Antiguidade. 

Amónio Sacas usou essa palavra para designar o que considerava os ensinamentos essenciais das principais religiões de seu tempo, que faziam parte de um "sistema teosófico eclético". 

Amónio era um ser humano de grande conhecimento, de conduta irrepreensível e de temperamento amável e bondoso, fazendo com que lhe fosse atribuído a designação de theodidaktos, ou “instruído por Deus”.

Ao longo da sua vida terrena, Amónio Sacas viajou para além do Egito natal, tendo conhecido a Mesopotâmia, a Pérsia e a Índia, tendo em consideração que existem evidências de que Amónio tinha ligações familiares com este último grande país. 

Amónio e os seus seguidores chamavam a si próprios de filaletianos, ou amantes da verdade. Outros os chamavam de analogistas ou analogeticistas devido ao seu método de interpretação das escrituras religiosas através dos princípios da analogia e do simbolismo. 

Os filaletianos eram divididos em três grandes categorias: neófitos, iniciados e hierofantes ou mestres. 

No âmbito da sua escola, Amónio valorizava uma estrita disciplina ética, baseada na valorização de um modo de vida que se harmonizava com a lei natural. Considerava que a purificação e a regeneração da condição humana passavam pela contemplação filosófica, a qual deveria passar pelos estágios da opinião, ligada aos sentidos, da perceção da ciência, baseada na dialética e finalmente da iluminação intuitiva.

O próprio Amónio privilegiou a transmissão oral do conhecimento, à semelhança de outros grandes mestres espirituais da humanidade, como Siddhartha Gautama ou Jesus. O que se sabe dele e dos respetivos ensinamentos resulta dos escritos de seus discípulos. 


Há que ter em conta que Amónio instruiu os seus discípulos a não revelarem os seus ensinamentos, pelo que a informação sobre a sua mensagem não é totalmente completa. 

Os ensinamentos fundamentais de Amónio Sacas eram os seguintes: 

- A proposição de que a Divindade é o princípio absoluto, supremo, inefável e incognoscível, que é a fonte de tudo o que existe, visível e invisível; 

- A natureza imortal do espírito humano, considerada como uma radiação ou emanação da Divindade, idêntico a ela em essência e, consequentemente, imperecível; 

- A teurgia, ou o trabalho divino, a arte da autotransformação total e da transmutação da experiência humana, abrangendo a prática dos poderes interiores inerentes ao despertar da natureza superior do ser humano para governar as forças da natureza.

Amónio enfatizava que havia uma base universal para a ética dentro do coração de todo o sistema metafísico, e que o valor do mais elevado raciocínio abstrato reside na capacidade de transformar a natureza humana através da luz sagrada que ela revela. 

Ele sustentava que cada ser humano deveria derivar a sua ética do cerne da verdade e elevar a sua mente por meio da meditação, considerada uma via privilegiada para promover a união da consciência humana com a fonte inefável de toda a existência. 

A sabedoria universal antiga era a grande mãe de todas as verdades e, deixando de lado as lutas sectárias, os seres humanos poderiam viver uma vida repleta de reverência mútua, de fidelidade à humanidade e de compaixão por todos os seres. 

O propósito de Amónio era reconciliar as diversas religiões e consequentemente os diversos povos através da valorização da sua raiz comum, que na sua perspetiva era a fé comum num Poder supremo, eterno, desconhecido e inominável que governa o universo por leis imutáveis e eternas. 

O objetivo por Amónio era extrair das várias religiões, como de um instrumento de muitas cordas, um acorde harmonioso que encontraria resposta em todo o coração humano que ama autenticamente a verdade, no sentido mais nobre e pleno do termo. 

De modo a promover a conciliação das diversas religiões com o sistema teosófico eclético, exortou os seus discípulos a não adorar as imagens exotéricas das divindades pagãs, enfatizando o foco na Divindade absoluta como o princípio infinito, eterno e imutável de tudo o que existe, visível e invisível. 

Com efeito, ele via na história dos deuses pagãos uma alegoria, sustentando que eles eram apenas ministros celestiais da Divindade com direito a um tipo inferior de culto. 

Além disso, reconheceu que Jesus era um homem excelente e amigo de Deus, que buscou restabelecer e restaurar a sabedoria antiga e perene na sua integridade original, expurgando a religiosidade exotérica de presunções, inverdades e superstições e expondo os princípios necessários a uma vida espiritualmente pura. 

Amónio Sacas faleceu em 242, mas deixou uma comunidade de discípulos ilustres. No âmbito dos seus discípulos, que estavam ligados a visões espirituais diversas, podem ser identificados Plotino, um dos pensadores mais proeminentes do neoplatonismo, Herénio, Cássio Longino, o filósofo pagão Orígenes e Orígenes, um dos maiores pensadores do cristianismo primitivo. 

Orígenes Adamâncio, o cristão, que posteriormente se tornou o diretor da escola catequética de Alexandria, promoveu as pontes entre o cristianismo e a filosofia da Antiguidade. Orígenes defendia uma interpretação tríplice das Escrituras sagradas – literal, simbólica e espiritual, bem como a preexistência da alma e a reencarnação. A História da humanidade foi considerada como um processo educativo grandioso que conduz à salvação, ou seja, como uma pedagogia de Deus como o ser humano.

Inspirado por Amónio, Plotino fundou uma escola própria em Roma. As suas Enéadas, compiladas por Porfírio, destacam-se como a realização mais profunda do pensamento neoplatónico. Na perspetiva de Plotino, o Uno é o princípio absoluto de toda a existência e das diversas dimensões da realidade.

Os ideais de Amónio Sacas foram adotados por pessoas de diversas identidades religiosas na África, na Ásia e na Europa, e por um determinado período houve uma tendência favorável no sentido da reconciliação geral de cosmovisões religiosas. Os próprios imperadores romanos Alexandre Severo e Juliano aderiram aos ideais de Amónio. 

Contudo e infelizmente para a humanidade, a influência dos setores mais exclusivistas foi mais forte. 

No campo do paganismo, os setores mais intransigentes e exclusivistas assumiram uma proeminência crescente, o que levou a perseguições contra minorias religiosas, como os cristãos. 

No âmbito do cristianismo, os cristãos proto-ortodoxos, que tinham uma perspetiva dogmática e literalista, sobrepuseram-se aos cristãos gnósticos, que tinham uma visão espiritual, esotérica e mística. 



Em Roma, pela escola de Plotino, e em Atenas, por meio da Academia revitalizada sob os neoplatónicos como Proclo, os ensinamentos de Amónio continuaram a fermentar o mundo mediterrâneo até ao início do século VI. 

A partir do reconhecimento legal do cristianismo pelo imperador romano Constantino e pelos seus sucessores, os cristãos proto-ortodoxos adotaram uma atitude crescentemente persecutória em relação a todos os que não preconizavam as suas crenças, fossem pagãos, judeus ou cristãos de outras tendências, designadamente os cristãos gnósticos. 

Em 415, Hipátia, uma das mulheres mais sábias e relevantes da História humana e uma figura liderante da escola fundada por Amónio Sacas, foi assassinada. 

Em 525, o imperador romano Justiniano, o mesmo que condenou as ideias de Orígenes, ordenou o encerramento da Academia de Atenas. 

Num cenário tão adverso, os discípulos de Amónio Sacas eram pessoas que buscavam a sabedoria onde quer que ela pudesse ser encontrada. Então, o grupo remanescente dos neoplatónicos partiu para a Pérsia e a Índia.


Amónio Sacas pode ser considerado uma das figuras determinantes e decisivas da História espiritual e filosófica da humanidade, na medida que deixou um legado de grande sabedoria. Um legado simultaneamente grandioso e invisível. 

Daniel José Ribeiro de Faria 



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