Paulo Fernandes

Frigidez

Por Paulo Fernandes em Maio de 2022

Tema Saúde / Publicado na revista Nº 26

A dona Maria (nome fictício), uma senhora com a idade de 70 anos, contou-me uma história que vou partilhar convosco. Esta senhora teve e ainda tem uma vida muito ativa, no passado para poder criar e educar uma filha e sustentar a sua casa, atualmente para se manter ativa ocupada e útil á sociedade. 

Mas a sua vida nem sempre foi um mar de rosas, a dona Maria teve uma relação conjugal de 30 anos e durante esses anos, conta ela, poucos foram aqueles em que pôde dizer que foi feliz nesta esta relação.

Esta senhora foi vítima de denomina violência doméstica, violência física, psicológica e sexual.

A dona Maria sofreu aquilo que muitas mulheres, sofrem ainda neste século.

E com isso desenvolveu uma série de patologias que reduziram a sua qualidade de vida, e destaco uma que pretendo abordar neste artigo. 


Frigidez, que de acordo com o dicionário significa 

Qualidade de frígido.

Ausência de desejo ou de prazer sexual.

De entre milhares de experiências e momentos memoráveis que marcam e desenvolvem o carácter da vida do ser humano, o sexo, nomeadamente na sua primeira relação é das experiências mais marcantes e importantes sendo causa frequente de ansiedade e dúvida. E se no homem o alcançar o prazer coincide com a ejaculação, na mulher coincide com a repetida contração das paredes da vagina, mas para se atingir este ponto de desejo e excitação é necessário reunir antecipadamente uma série de pré-requisitos, essencialmente emoções, produzidas pelos carinhos, atos de ternura e atenção manifestados durante o namoro que antecede o ato sexual em si, onde naturalmente se incluem os preliminares, tempo em que o casal se dispõe a explorar o corpo e a criar o ambiente perfeito para se atingir o clímax e obter o mútuo prazer.  

Mas nem sempre as coisas correm bem e o sonho transforma-se num verdadeiro pesadelo, culminando várias vezes em histórias de verdadeiro terror.

É uma patologia que não é exclusiva da mulher, mas que atinge em menor grau o sexo masculino.

Este distúrbio é diferente de outros pois não é causado por doença física ou orgânica, onde um órgão pode estar alterado e como tal fisicamente impossibilitado de cumprir com a sua função, a frigidez retira à mulher o desejo, impedindo-a de realizar o ato de forma satisfatória e atingir o prazer, criando dificuldades e sofrimentos interpessoais, podendo ser geral ou com determinado parceiro ou ainda em situações ou locais específicos. Muitas mulheres deparam-se com o problema logo na adolescência, devido à educação na qual são inculcados nos jovens valores sentimentais que rejeitam totalmente os contactos físicos e a sexualidade, considerando um ato sujo e desprezível, outras é na primeira relação que a frigidez se desenvolve, não foi um ato carinhoso, compreensivo, afetuoso, mas algo desastroso que vai criar uma crença de dor ou repulsa, outras ainda desenvolvem esta patologia mais tarde na sua vida conjugal devido a abusos ou desenvolvimento de outras patologias que mais tarde abordaremos. 

Mas será que no passado estas doenças não existiam?  sim sempre existiram, no entanto nos dias de hoje há muito mais informação disponível, são cada vez mais as mulheres que procuram ajuda profissional para compreender o porquê do ato sexual ser um sacrifício quando deveria ser exatamente o oposto, ou seja, um momento de prazer, um ato de amor. 

Devido à sua coragem em relatar os seus casos foram desenvolvidos pela ciência trabalhos que demonstram que este transtorno não é definitivo, efetivamente existem relatos de disfunção permanente, mas a maioria dos casos pode ser revertido sendo de referir que pode afetar a pessoa em diferentes períodos da sua vida.

Será a frigidez uma questão feminina?

Não. Esta não é de todo uma questão puramente feminina, o problema atinge os dois membros do casal, qualquer disfunção sexual de um dos parceiros é da responsabilidade exclusiva do casal e somente com a íntima colaboração dos dois, através do diálogo aberto e compreensivo se pode chegar a uma conclusão e à sua solução.

Inúmeras vezes a frigidez é a defesa contra a certeza do amor e envolvimento do parceiro. A frigidez reflete os medos perante a quebra de admiração e estima, bem como o receio de abandono ou rejeição a qualquer momento.

Numa relação sexual conflituosa o impacto é naturalmente diferente para os dois, no homem, o fator cobrança pode originar impotência sexual psicológica, já na mulher o fardo é mais pesado pois não se trata de falha física, mas a anulação completa do seu ser, aniquilando a sua autoestima.

Muitas mulheres admitem já ter simulado o prazer durante a relação isto para evitar desentendimentos, para não o contrariar ou porque assim foi sempre desde o inicio da relação, não mudar nada parece ser a solução mais fácil, mas também é a mais duradoura e penosa, são inúmeros os casos de mulheres como a “dona Maria”, que já numa idade avançada e perdidos os complexos e os medos refletem sobre a sua atividade sexual referem com alguma nostalgia, “amei o meu companheiro toda a vida, no entanto nunca soube o que era um orgasmo”, pois durante o ato muitas vezes simulou o prazer.

Simular não é honesto nem soluciona nada, para além de criar frustração na mulher a longo prazo, acarreta outros problemas. Um bom relacionamento é preponderante para manter o equilíbrio psicológico de ambos, quando as relações sexuais se degradam cada elemento do casal sofre passando a predominar o sentimento de culpa, aumentando ainda mais a angústia o que inibe um relacionamento saudável que se vai refletir no futuro. 

Causas:

Neste capítulo vamos abordar algumas das situações estudadas que podem provocar transtornos ou disfunções sexuais.

Não sendo exaustivo deixa-nos uma ideia do que poderá estar a acontecer e alertar para modificar o comportamento e/ou procurar ajuda profissional.

As causas podem ser classificadas como:

Orgânicas:

Patologias que acometem diretamente os órgãos genitais, tal como uma infeção vaginal causada por bactérias, fungos e outros micro-organismos ou indiretamente através da disfunção hormonal em que o aumento de produção de prolactina inibe completamente a motivação sexual. 

Transtornos psiquiátricos crónicos que geram diminuição ou até ausência de desejo como a depressão.

Utilização de medicação como os antidepressivos ou anti-hipertensivos que tem como efeito secundário a diminuição da libido.

Psicológicas / emocionais:

Questões traumáticas ao longo da vida.

Repressões sexuais na infância e adolescência

Conflitos conjugais acompanhados de violência física, falta de respeito e falta de intimidade.

Falta de maturidade no relacionamento, o casal representa o papel de pais um do outro, anulando a parceria sexual.

Falta de comunicação e intimidade no casal.

Relações impostas, não existindo atração e afetividade pelo parceiro.

 

Sociais e culturais:

Educação e orientação sexual deficiente ou inexistente.

Medo de gravidez indesejada.

Dificuldades do dia a dia, falta de tempo, falta de ambiente.

Estímulo desadequado.

Repressões sociais à sexualidade da mulher relacionadas com tabus e crendices.

O envelhecimento com as suas causas naturais é muitas vezes difícil de encarar por parte da mulher como a menopausa, que em muitas sociedades é encarada como um atentado à feminidade, sendo um fator psicossomático difícil de lidar e se a vida sexual do casal já estava comprometida, nesta fase da vida o problema vai-se agravar ainda mais servindo de justificação para pôr termo a toda a atividade sexual.  

Outros dos transtornos frequentes ocorre no pós-parto nomeadamente nas situações de maior complexidade em consequência da intervenção cirúrgica e do receio de lesão durante o ato, retraem-se e evitam o contacto sexual. Associado ao parto pode estar ainda a dificuldade de conciliação do papel de mãe, amante e de mulher ativa. Se no seguimento ainda for desenvolvida uma depressão pós-parto, então a ausência de prazer pode ser prolongada por meses.     

Situações laborais conflituosas, com o stress que dai advém, insegurança, baixa autoestima e excesso de preocupações, perda de ente queridos ou o diagnostico de doença grave são também períodos muito sensíveis que diminuem a libido na mulher.

Para além de todos estes fatores é ainda de salientar a corrida desenfreada da vida atual em que o casal trabalha fora de casa, muitas vesses com turnos desfasados, o que não proporciona tempo disponível ideal para se dedicarem um ao outro e ao namoro, propiciação de ambientes e momentos indispensáveis a um ato sexual satisfatório.

Tratamento 

Como atrás referido este distúrbio não tem uma causa única especifica, como tal é de vital importância efetuar-se uma anamnese multidisciplinar por forma a identificar a causa ou causas e só depois elaborar um plano de ação que pode levar ao tratamento e á cura. 

De notar que há no mercado alguns medicamentos que tendem a aumentar a libido, no entanto a ciência tem vindo a trabalhar no estudo da sexualidade da mulher com vista a melhorar o seu bem-estar e qualidade de vida.

Como a maioria dos casos de frigidez se deve a fatores de ordem psicológica / emocional e/ou social, o melhor caminho é avaliar os fatores comprometidos no relacionamento e depois desenvolver estratégias que levem a harmonização das condições e situações que possam estar a prejudicar a libido feminina. 

Um desses passos passa pelo diálogo franco e permanente com o parceiro, sem restrições. O sexo deve ser entendido como um momento mágico entre o casal em que as preocupações e ansiedades têm de estar ausentes. 

Alterações à rotina e à monotonia – novos ambientes, fantasias, mudanças de estilo de vida – devem ser equacionados para reduzir, mais uma vez, a ansiedade e as preocupações e assim contribuir para uma vida mais ativa e positiva. 

Nada é inultrapassável, uma conversa aberta, sincera e confiante, falando dos medos, das frustrações, das inseguranças de cada um e o querer estar com o outro ajudando-se mutuamente a ultrapassar os conflitos, é a chave para uma vida feliz e plena.

Paulo Fernandes


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