Susana Oliveira

Terapias Naturais e Pessoas com Necessidades Especiais

Por Susana Oliveira em Maio de 2021

Tema Saúde / Publicado na revista Nº 20

Cuidar com métodos naturais e formas complementares pessoas que por norma já tomam tantos medicamentos convencionais é cada vez mais uma opção, pois tem-se mostrado benéfico a vários níveis. No lar residencial da Cercifeira é mais que uma opção, é a lei que tem vindo a melhorar a qualidade de vida dos seus clientes.

Sentada na mesa do refeitório do Lar Residencial da Casa das Camélias - Cercifeira,  aguardava, assim, pela diretora técnica, Paula Cristina Gomes de Albuquerque. Quando se juntou a mim, a Cindy, a cadela que também lá morava, juntou-se a nós também, e ali ficou no nosso meio enquanto conversávamos. 

O ambiente era acolhedor e era evidente que quem ali trabalhava preservava o bem-estar dos seus 13 residentes com idades compreendidas entre os 23 e os 66 anos e, na sua maioria, com paralisia cerebral. 

“Trabalho na instituição há 25 anos, pois dentro da fisioterapia, era a área da deficiência que me apaixonava”, expôs Paula enquanto explicava o que a fez licenciar-se em fisioterapia e o que a fez querer vir trabalhar para uma Cerci. Mas Paula não era só apaixonada por trabalhar diretamente com pessoas com deficiência ou necessidades especiais. Também ela era “apaixonada pela área das terapias naturais”. Pós-graduando-se, assim, mais tarde em homeopatia e naturopatia no mesmo local onde se licenciou – na Escola Superior de Saúde. 




Parte exterior do Lar Residencial da Cercifeira
Edifício Sede da Cerciespinho
Diretora técnica, Paula Albuquerque entre colaboradores e os

Em 2013 foi quando lhe foi atribuído o cargo de diretora técnica do lar e a partir de então passou a tratar de toda a parte da gestão da Casa das Camélias e dos seus utentes, estando incluído nesta gestão, a saúde dos mesmos.

Desde que entrou, conta que foi “logo adicionando à caixa de primeiros socorros medicamentos homeopáticos e naturopáticos”, com o objetivo de tratar coisas simples tais como pequenas constipações, pisaduras ou infeções urinárias. Pois tendo em conta que em causa estão “pessoas que já são tão medicadas e com tantas patologias associadas, custa estar sempre a dar mais medicamentos alopáticos, para além daqueles que já são obrigadas a tomar”, uma vez que medicação alopática em excesso não é benéfica para o bem-estar de alguém, já que tem sempre uma certa quantidade de efeitos secundários inerentes e muitas vezes o que faz bem a uma coisa pode fazer mal a outra. Paula dá o exemplo do ben-u-ron – “As pessoas dizem que não faz mal, mas é mentira, em excesso pode ser muito prejudicial ao fígado”.

A diretora técnica é da opinião que não se pode apenas “tratar o sintoma, mas sim que temos de atuar na causa do problema”, e que é bastante apologista dos medicamentos homeopáticos, uma vez que estes vão “apenas estimular o sistema imunitário a reagir”, explica a Drª.

E é com medicamentos naturopáticos e homeopáticos, com certos chás, com alguns óleos essências e florais que vai colmatando certos mal-estares dos residentes do lar. O seu principal objetivo é, admite, “poder contribuir para não os intoxicar ainda mais e manter a sua saúde e o seu bem-estar o mais tempo possível”. 

Ao início os restantes colaboradores do lar tinham uma posição um tanto cética quanto a esta forma de atuação, mas hoje “concordam comigo e na minha forma de atuar e, alguns até já são muito voltados para estas “coisas naturais” e seguem essa linha na sua vida pessoal”, conta com orgulho. 

Paula Albuquerque e os colaboradores do lar residencial da Cerci de Santa Maria da Feira seguem a lista de “Chás Terapêuticos” afixada no frigorífico. Se alguém se queixar de dores de barriga derivadas da prisão de ventre o chá que será administrado é o de cáscara sagrada ou de sene, se o problema for a retenção de líquidos a escolha recai entre o chá de cavalinha, o de barbas de milho ou  o de dente de leão, mas se alguém estiver a sentir-se mais agitado o chá de cidreira, de tília ou de camomila são boas opções de chá para se administrar. “Tanto chá, tanto chá, tanto chá”, queixa-se sempre Celeste, de 66 anos, quando estes lhe são administrados.

Belinha, de 39 anos, apesar das suas limitações físicas, motoras e psíquicas apercebe-se bem daquilo que lhe é administrado perante determinados sintomas. Ao meu lado, Paula faz-lhe algumas questões, direcionando as questões para quando Belinha se queixa de dores de barriga, ou de dores a fazer “xixi” ou quando não consegue dormir. Sentada na sua cadeira de rodas automática e com um enorme sorriso no rosto, Belinha respondeu através de gestos e fez-se entender na perfeição. 

Em resposta à primeira questão, fechou o punho direito, retirou o polegar e inclinou o polegar em direção à boca, como se fosse beber algo. Estava a falar do chá. À segunda questão apontou com o dedo indicador para a boca, referindo-se a um medicamento. Paula acrescentou que o medicamento que é administrado em infeções urinárias é homeopático e é normalmente o Apis ou o Cantharis. Por fim, em resposta à terceira questão, Belinha colocou a língua de fora e apontou para ponta desta. A ideia que passou é que se referia ao spray de óleo floral de Bach – Rescue Night -, que se polvoriza na língua. 

Para além destes medicamentos mencionados por Paula e de certa forma por Belinha, na instituição residencial recorrem ao Oscillococcinum (homeopático) - que ajuda a reforçar o sistema imunitário -, ao Gelsemium (homeopático) – que ajuda a acalmar os nervos -, ao Traumeel (homeopático) – no tratamento de hematomas e dores musculares – e à Melatonina (naturopático) – que ajuda a adormecer. Até à própria Cindy é lhe administrado um medicamento homeopático de manhã e à noite por causa de um problema que tem nas patas traseiras.

 Para além da naturopatia e da homeopatia, a diretora recorre à aromaterapia quando os “seus meninos”, estão mais agitados ou se sucede algum conflito e o ambiente está pesado. Quando isto acontece coloca umas gotas de óleo essencial de alfazema num difusor na sala comum e “passado um tempo começam logo a ficar mais tranquilos”, relata e acrescenta que também recorre a aromaterapia quando eles se queixam de dores de cabeça – “gosto de esfregar um bocadinho de óleo essencial de hortelã pimenta nos pulsos e, assim, à medida que se vão mexendo já vão inalando”.

A importância de incluir as Terapias Naturais e as Terapêuticas Não Convencionais (TNC) de forma complementar no tratamento destas crianças é realçado por Paula e a forma como ela atua evidencia a sua relevância. Já os resultados que têm vindo a ser evidenciados mostram o quão benéfico pode ser na preservação do bem-estar e da saúde a longo prazo destas pessoas com necessidades especiais.

A Belinha, por exemplo, tem alguma dificuldade em adormecer e nos dias em que essa dificuldade é imensa é lhe administrado 2 miligramas de melatonina e ela acaba por adormecer ao seu ritmo, mas antes era lhe administrado o dormicon – um ansiolítico extremamente forte -, o que segundo Paula a deixava completamente “sedada” quando tomava. Por isso, o medicamento naturopático foi benéfico para o bem-estar da Belinha.

Também Carlinhos, de 23 anos, com autismo severo apresentou “resultados em termos físicos, motores e comportamentais” após uma intervenção por parte de Paula, sua tutora. Encontra-se na instituição desde os seis anos de idade. “Era um miúdo muito complicado - tinha muitas crises de auto e hétero agressão, muitas dificuldades em comunicar e nunca parava quieto, só queria comer iogurtes, por exemplo, e a única coisa que lhe interessava eram garrafas. A par disso também tinha alguns problemas intestinais”, expõe, explicando em seguida o tratamento a que recorreu – “Optei pela terapia ortomolecular. Comecei por uma desintoxicação do fígado, depois por uma desintoxicação do intestino e por fim usei oligoelementos que lhe fariam falta e que obrigariam o próprio corpo a reagir por si”. 

O tratamento realizado em 2014 fez com que o Carlos “deixasse de ter crises, começasse a colaborar mais, a estar mais atento e a perceber melhor as coisas. Está muito mais tranquilo e um tanto autónomo”, explica e acrescenta que o médico de Carlos diminuiu de forma significativa a dose da sua medicação após ter começado o tratamento prescrito por Paula. 

Apesar do “resultadão” que este tratamento teve com Carlos, a diretora sabe que levar um filho com autismo a um naturopata ou a um homeopata não é a primeira opção de uma mãe ou de um pai, mas “a verdade é que eles não fazem ideia do quão bem faz a desintoxicação a que procedi e o Carlos é a prova viva disso”.

Mas não são só os tratamentos homeopáticos ou naturopáticos que parecem apresentar bons resultados em jovens autistas. Os tratamentos de acupuntura também. 

“As pessoas com autismo tendem a viver num mundo próprio, o que na maioria dos casos dificulta a sua interação social e a acupuntura como ajuda a promover o equilíbrio emocional e ajuda a equilibrar, por exemplo, níveis de ansiedade - o que em pessoas com autismo é bastante comum -, pode fazer com que estas pessoas interajam com outros mais facilmente”, expõe Manuel Cruz, que tem cédula profissional em medicina chinesa, acupuntura e osteopatia e é professor na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, em Oliveira de Azeméis. 

Nos casos de autismo que lhe passaram pelas mãos obteve sempre resultados. Conta que “nos casos de autismo severo, o que a acupuntura trouxe foi o beneficio de tornar possível o gerir de uma situação no meio familiar, mas em casos onde o autismo não era tão severo conseguiu ver melhorias a nível emocional e por consequência a nível comportamental e social” e acrescenta, ainda, que estas crianças e jovens que por ele passaram “acabaram por evoluir na escola e progredir nos estudos, ainda que sempre com as dificuldades” inerentes ao espectro presentes.

Tendo como base a sua experiência é da opinião que as terapias naturais e as TNC “trazem benefícios muito interessantes”. Encara-as como “ferramentas muito boas” e bastante úteis para pessoas com necessidades especiais, na medida em “estas práticas vêm o individuo como um todo e procuram o equilibrar o individuo a todos os níveis” e desta forma podem ajudar a que a medicação (que por norma estas pessoas tomam) seja melhor tolerada e que por isso haja uma redução dos seus efeitos secundários, tornando a medicação mais eficiente”, e admite que a longo prazo pelo aquilo que tem vindo a evidenciar acaba por haver sempre redução de medicação. Por outro lado, Manuel Cruz, afirma, ainda que nos casos em que “os sintomas são muitos agudos, ao procurarmos a causa e atuando nela podemos atuar na sintomatologia e tornar os sintomas mais fácies de lidar”.



Dina Silva, técnica de desporto no CAO da Cerciespinho
Manuel Cruz, professor e terapeuta.
Belinha

A redução de medicação alopática como consequência de tratamentos terapêuticos naturais parece ser um benefício, evidenciado pela diretora técnica do lar da Cercifeira e por Manuel Cruz. Paula só pode proceder ao tratamento que aplicou a Carlinhos por que é a pessoa responsável por ele. Nos restantes utentes não pode atuar individualmente sem a devida autorização dos familiares e das pessoas responsáveis por eles e sem o financiamento necessário, mas acredita “que se tivesse mais opções por parte das famílias que algumas das pessoas no lar acabariam por reduzir a medicação a longo prazo”, contudo “os tratamentos terapêuticos naturais não são compartecipados e a maioria das famílias não têm grandes possibilidades económicas”. 

Mas não são só as dificuldades económicas das famílias que fazem com que estas terapias ou terapêuticas não sejam administradas na maioria dos casos, a falta de conhecimento ou compreensão também são duas das causas. Dina Silva, técnica de desporto no Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) da Cerciespinho, diz que seguem à risca o que as famílias querem e como trabalham “com pessoas muito envelhecidas estas questões ainda lhes causam um pouco de confusão e receio”.

Na Cerciespinho não utilizam as terapias naturais, mas Dina acredita que “pode ser uma boa estratégia de atuação” e que em alguns “casos pode ser benéfico”. Para Isabel Cerqueira, monitora técnica no CAO da instituição e também formada em geriatria e acupuntura, “não há como não ser benéfico”. É da opinião que as pessoas com necessidades especiais alcançariam melhorias significativas com as terapias, uma vez que “estas atuam individualmente e, por isso, adequam o tratamento à necessidade de cada um”. E tal como Manuel Cruz, também Isabel vê relevância na atuação do indivíduo enquanto um todo – “Nós não somos só corpo, somos energia, somos emoção, somos alma , somos um todo e as vezes é preciso gerir esse todo e não só uma parte e nós aqui gerimos partes e não gerimos um todo e é uma pena, porque os resultados não são os mesmos”. 

O que pensam os pais?

Alice Vega, de 82 anos, enfermeira obstetra reformada, tem o seu Carlos Paulo, de 52 anos, com sequelas de hipotiroidismo a frequentar o CAO da Cerciespinho. Afirma conhecer algumas terapias naturais, assim como as TNC e admite já ter feito reiki e recorrido à acupuntura, mas quando questionada sobre se já sentiu necessidade de administrar algum tratamento baseado nas terapias naturais no seu filho referiu que “não” – “Ele não precisa, está muito bem medicado” -, no entanto acrescentou que acredita “que pode ser benéfico para quem procura e para quem quer”. 

Quem tal como Alice Vega já fez reiki foi José Bragança, pai de uma menina, de 30 anos com uma doença rara. A sua filha também frequenta o CAO da Cerciespinho, mas ao contrário da mãe de Carlos Paulo, José nunca se sentiu amparado pela medicina convencional. 

Esperou 23 anos por um diagnóstico, que se conclui ser a síndrome de ALBRight -like – uma doença rara que pode acarretar “presença de malformações cardíacas, cerebrais, renais ou intestinais”, contou-me ao telefone e acrescentou com alívio - “o que a minha filha ainda não apresenta, mas agora sabemos que todos os anos tem de ser testada”.

No ano passado, no início da pandemia a sua filha começou a “piorar, começou a ficar instável, batia com as portas, tinha imensas manias, só queria estar na cama e deixou de conviver, comer e dormir”. Perante uma crise foi para o hospital onde apenas lhe informaram que a sua filha estava bem e que devia recorrer à psiquiatria, prescrevendo um medicamento que ela nem sequer podia tomar. Acabou por recorrer à homeopatia e a uma médium e passado cerca de um ano a sua filha está “a 100%” e admite que está “com mais autonomia, mais estabilidade e até fala pelos cotovelos” e que neste momento já não “esta a tomar nenhum medicamento e consegue dormir a noite toda”.

O tratamento homeopático que lhe foi administrado foi baseado em R7 - Lycopodium-Gastreu, que atuou no sistema digestivo e em R14 – Valeriana – Gastreu, que atou no sistema nervoso. José Bragança está contente com os resultados. “A minha filha está melhor”.

Este tratamento só veio enfatizar ainda mais aquilo que já acreditava - que os produtos naturais são uma melhor opção porque não têm efeitos secundários. A mãe de Carla, Goreti Assunção é da mesma opinião. Carla reside atualmente no Lar Residencial da Cercifeira e perante a forma de atuação do mesmo diz “é disso que os nossos filhos precisam, eu aconselho” e dá o exemplo da sua menina “a minha filha já toma tantos medicamentos que ajudam com umas coisas, mas prejudicam outras, portanto se não precisar de tomar mais nada, eu agradeço”. 

Nem todos os pais sabem o que são as terapias naturais, mas de forma geral todos parecem ser da opinião que mais medicação alopática não é o caminho e que as formas naturais de atuação só podem trazer benefícios. 


Nota 1: José Bragança preferiu que o nome da sua filha não fosse divulgado.

Nota 2: Todas as entrevistas exceto a de Paula Albuquerque foram realizadas via telemóvel ou Skype de acordo com as normas da DGS perante a pandemia que decorre.

 Reportagem de Susana A. Oliveira  



Vídeo:

Residentes do Lar e Colaboradores IV. Fotografia - Susana A. Oliveira

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