Patrícia Carneiro

Viver o Luto: Entre a Tristeza, a Cura e a Continuidade da Vida

Por Patrícia Carneiro em 2025-09-04

Tema Autoconhecimento / Publicado na revista Nº 41

O luto é uma das experiências mais intensas e universais da condição humana. A medicina chinesa olha para ele não apenas como um estado emocional, mas como um processo vital, profundamente ligado ao corpo, à energia e à saúde.

O que é o Luto na Medicina Chinesa?

Chorar a morte de alguém importante é, antes de tudo, uma demonstração de afeto e amor. A tristeza que se manifesta diante da perda é considerada necessária: um filho que chora a morte do pai, por exemplo, está a mostrar a profundidade do vínculo que os unia.

Afinal, a morte de um pai representa o desligamento da nossa energia pré-celestial — aquilo que nos deu a vida deixa de estar presente.

No entanto, segundo Elisabeth Rochat, essa dor deve ter um tempo limitado. No seu livro Duplo Aspeto do Coração, a autora lembra que o luto tem a sua duração natural, tradicionalmente fixada em três anos.

“A duração do luto foi fixada em três anos. E não foi dado aos mais sábios prolongá-la, nem aos menos sábios reduzi-la.”

Após esse período, a pessoa é chamada a retomar plenamente a sua vida.

O prolongamento excessivo do luto não é visto como amor, mas como um afastamento da vitalidade, um virar de costas à própria vida.

A Função Vital do Choro
Na visão clássica da medicina chinesa, o luto é uma energia que precisa ser expressa. Um sentimento que deve ser colocado para fora.

Guardar a dor, não chorar, faz com que o pulmão — órgão associado à tristeza — fique bloqueado, estagnando a energia vital (o Qi).

Por isso, é fundamental permitirmo-nos chorar, libertar o que oprime o peito, devolver a paz ao coração aflito. O choro é, portanto, um mecanismo natural de cura e libertação.

As Consequências do Luto Prolongado

Quando a tristeza se prolonga para além do seu tempo natural de expressão, transforma-se numa aflição crónica. Nesse estado, o pulmão enfraquece, o coração fica comprimido e tanto a circulação do sangue como o fluxo da energia vital são afetados.

Se vivido por mais de três anos, o luto pode trazer consequências sérias, chegando a provocar lesões irreversíveis para a saúde.

O Luto em Excesso

É nesse ponto que surge o que Elisabeth Rochat chama de “luto em excesso”:

“Estender o luto para além dos 3 anos seria um excesso” - Elisabeth Rochat

A Dra. Fernanda Mara também reflete de forma clara sobre este tema. Ela explica que, ao prolongarmos o luto, não estamos realmente a demonstrar afecto e amor pela pessoa que partiu. Pelo contrário: trazemos para nós a energia da morte, enquanto ainda estamos vivos. Em vez de continuarmos a viver a nossa vida, passamos a viver a morte do outro.


Esse processo desgasta a nossa energia e, aos poucos, conduz-nos para a própria morte. É por isso essencial termos cuidado para não trazer para nós a energia da morte de outra pessoa.

Negação do Luto

Por outro lado, há pessoas que evitam ou negam o luto.

A medicina chinesa ensina que o luto não deve ser negado, mas vivido e, depois, transformado.

“Negar a realidade, mesmo dolorosa, agrava o sofrimento e destrói a saúde. Ao negar o próprio luto, a vida vinga-se, e a morte nasce dele. Pois abalamos o centro da vitalidade e voltamos as costas à razão.” — Elisabeth Rochat

Na minha experiência, encontrei pessoas que, para se protegerem da dor da perda, do abandono ou da separação, acabam por rejeitar a energia do luto. Refugiam-se no excesso de racionalização, usando a mente para não sentir.

No entanto, se estivessem conscientes das consequências dessa negação — tanto na própria saúde como na linhagem familiar sistémica — talvez fizessem outra escolha. Talvez se permitissem viver e expressar a aflição que se experimenta na morte de alguém querido.

A psicanalista Françoise Dolto resume muito bem este fenómeno:

“O que a primeira geração guarda em silêncio, a segunda carrega nos seus corpos.”

Ou seja, emoções não vividas e não expressas numa geração podem emergir, de forma inconsciente, nas seguintes, manifestando-se em sintomas físicos ou emocionais. Assim, ao negar o luto, não apenas fragilizamos a nossa vitalidade, mas também perpetuamos um peso invisível que poderá marcar os nossos descendentes.

Então, é necessário reconhecermos e assumirmos o luto — chorá-lo, vivê-lo — para libertar o peito, desobstruir o tórax e dissipar a energia acumulada.

O Que Fazer Para Transformar O Luto?

Para que o luto se transforme, é importante:

Chorar e admitir a dor, permitindo a libertação emocional;

Comemorar as alegrias vividas com a pessoa que partiu;

Transformar a aflição em amor ativo, dando continuidade ao legado através da própria vida.

O verdadeiro tributo a quem partiu não está na perpetuação da tristeza, mas na capacidade de seguir em frente, honrando essa memória com alegria, vitalidade e utilidade para o mundo.


O Luto Como Homenagem


O luto deve então ser visto como um carinho pela pessoa que já não está fisicamente presente. Mas ele não pode aprisionar quem fica.

O maior gesto de amor é transformar essa dor em energia de vida. Como lembra o Dr. Augusto Cury:

“Frequentemente erramos connosco quando não conseguimos ser os coautores da nossa história. Quando não conseguimos relaxar, viver mais leve e fazer da nossa história um espetáculo único imperdível.”

Assim, honrar a memória de quem partiu é escrever uma bela história mesmo no meio da dor. É escolher viver com intensidade, sendo mais alegre, mais útil e mais verdadeiro.

A depressão não honra quem partiu; a alegria sim. O luto, quando bem vivido, devolve ao coração aflito a paz e a capacidade de continuar a amar a vida.

Este artigo é dedicado ao meu pai, que partiu recentemente, e a todas as pessoas que atravessam esta experiência. Viver o luto é um processo que nos marca profundamente e nos transforma.


 

Com amor,

Patrícia


ARTIGO SUGERIDO

O Lado Oculto do Ego

O Lado Oculto do Ego

Dulce Pombo
Por Dulce Pombo em 2021-03-24
Tema Consciência

Qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos

Carl Gustav Jung


Sombra,  o nosso ...
Ler mais