Daniel Faria

O Ensinamento Esotérico de Jesus sobre O Divino Feminino

Por Daniel Faria em Dezembro de 2024

Tema Espiritualidade / Publicado na revista Nº 39

Introdução 

Jesus transmitiu um ensinamento secreto ou reservado? Esta é uma questão da maior relevância para a compreensão da vida e do legado de uma das figuras mais proeminentes da História da humanidade. 

O cristianismo esotérico e outras correntes espirituais, ao longo dos tempos, tem sustentado a ideia de que Jesus partilhava uma mensagem secreta com os seus discípulos mais próximos, usando as suas palavras como chaves místicas e simbólicas que revelavam verdades profundas. 

A psicologia moderna também sugere que os ensinamentos de Jesus expressam significados místicos e psicológicos profundos. 

Um dos ensinamentos reservados mais relevantes de Jesus foi sobre a dimensão feminina da Divindade. 

A reinterpretação do mito da Criação da humanidade 

Para uma compreensão adequada do ensinamento esotérico de Jesus sobre o Divino Feminino, temos de recuar ao livro de Génesis.  

No livro do Génesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, encontram-se duas versões distintas da criação da humanidade. 

Numa narrativa, o homem e a mulher são criados simultaneamente, ambos à imagem do Divino, sem distinção hierárquica, numa representação de igualdade e complementaridade entre os géneros.

Outra versão refere que Deus moldou o homem a partir do pó da terra, insuflando-lhe a vida através do sopro divino. Posteriormente, enquanto o homem dormia profundamente, Deus retira-lhe uma costela, a partir da qual cria a mulher. Esta versão enfatiza a criação da mulher a partir do homem, sendo frequentemente interpretada como uma base para a relação hierárquica entre homem e mulher na cultura judaica e, posteriormente, noutras tradições. 

Essa perspetiva é reforçada pela narrativa da desobediência: incitada pela serpente, Eva colhe o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, partilhando-o com Adão. Em consequência, ambos são expulsos do Paraíso e, como castigo, Deus declara que o homem terá domínio sobre a mulher, uma perspetiva que foi invocada para justificar a dominação dos homens sobre as mulheres. 

Contudo, para os judeus mais esotéricos, os gnósticos e outros cristãos místicos, esta história assume um significado radicalmente diferente. Nessa visão alternativa, o ato de comer do fruto representa um marco libertador, um passo essencial para que os seres humanos pudessem despertar e terem consciência da sua verdadeira essência e potencial divinos.

Na tradição espiritual mais antiga, a serpente, com quem Eva dialoga, era considerada um símbolo oracular, um emblema de sabedoria e transformação espiritual, frequentemente associado à dimensão feminina da Divindade, que foi adorada pela humanidade desde tempos imemoriais. 

A árvore da sabedoria, por sua vez, não era meramente uma fonte de conhecimento profano, mas um canal de revelação divina. 

Ao contrário das leituras patriarcais que a vinculam ao pecado, a árvore era também um símbolo sagrado da Deusa nas culturas pré-patriarcais, onde as mulheres sacerdotisas desempenhavam papéis centrais em rituais de sabedoria e de revelação. Neste contexto, a proibição de comer do fruto não era um mandamento moral, mas uma tentativa de restringir o poder transformador do Divindade, impedindo a humanidade de alcançar a iluminação e autonomia espirituais.

A atitude de Eva ao escutar a serpente revela uma ação que representa um desafio a uma visão androcêntrica do Divino e ao sistema social patriarcal. O conselho da serpente não é uma tentação, mas uma chamada à expansão de consciência e ao resgate da sabedoria intuitiva. Ao seguir a orientação da serpente, Eva reafirma o papel da mulher como veículo de sabedoria e conexão com o Divino, um estatuto que posteriormente seria vilipendiado pela narrativa patriarcal.

Para além da figura de Eva, a demonização da serpente na tradição cristã marca também a tentativa de eliminar e reverter a influência da espiritualidade feminina. Este movimento de distorção simbólica converte a serpente, antes um símbolo de regeneração e intuição profética, em representação do mal, e transforma simultaneamente o papel feminino de mediador da sabedoria em fonte de pecado. Esta mudança reflete a transição de uma sociedade de parceria para uma sociedade de dominação, onde a hierarquia masculina suprime a adoração da dimensão feminina da Divindade e estabelece o seu próprio modelo de controlo espiritual e social.

No entanto, ao revisitar este mito sob a ótica do Divino Feminino, podemos recuperar uma narrativa de emancipação. Eva torna-se, então, uma heroína espiritual, que não aceita ser limitada por uma ordem externa, mas ousa buscar o conhecimento e reivindicar a ligação ancestral com a Divindade. Ela não sucumbe ao medo, mas segue a sabedoria interior, representada pela serpente, e ao fazê-lo, abre o caminho para uma humanidade consciente da sua natureza sagrada.

Portanto, o mito de Adão e Eva, reinterpretado pela espiritualidade do Divino Feminino, oferece-nos uma visão de Eva como símbolo de coragem, liberdade e iluminação, em vez de submissão e pecado. A mulher, que historicamente foi reprimida e diminuída, revela-se nesta abordagem como a encarnação do impulso humano pelo crescimento espiritual e pelo autoconhecimento. Esta versão não só subverte a narrativa tradicional, mas inspira um regresso ao culto do Divino Feminino e ao reconhecimento do poder feminino na sua relação com o sagrado.

Jesus e a sua relação com o masculino e o feminino 

É de grande importância resgatar a tradição cristã primitiva da Sabedoria Divina, uma dimensão espiritual muitas vezes negligenciada pelo cristianismo institucional. 

De acordo com a tradição cristã primitiva, Jesus é apresentado como mensageiro da Sabedoria Divina. 

Nesta tradição, Jesus surge na continuidade dos profetas de Israel, figuras masculinas e femininas que transmitiram a palavra de Deus e que, em muitos casos, sofreram perseguições pela sua atuação.


Meinrad Craighead, Hagia Sopfia, 1987

Os evangelhos canónicos e alguns textos apócrifos mostram Jesus como alguém que integrou a “anima” (dimensão feminina) com a sua “animus” (dimensão masculina), refletindo uma harmonia interna entre essas forças. 

Esta integração permitiu-lhe uma visão inclusiva e profundamente humanista, algo incomum na sociedade de Israel do seu tempo, onde, como na generalidade das sociedades mediterrâneas e das sociedades humanas, em geral, as mulheres viviam em condições jurídicas e sociais de inferioridade.

A atitude de Jesus perante as mulheres foi, de facto, revolucionária. Ele ignorou as normas patriarcais e tratou as mulheres como iguais, defendendo uma relação de equivalência plena entre os géneros. Para Jesus, o masculino e o feminino deveriam coexistir numa união equilibrada, como condição para a verdadeira realização espiritual. Este princípio de unificação era fundamental para a sua mensagem e prática.

O compromisso de Jesus com a igualdade e a dignidade das mulheres manifestou-se de várias formas: defendendo-as contra a opressão cultural, dialogando com elas em público, aceitando as que eram vistas como marginais ou impuras pela sociedade e reconhecendo mulheres como discípulas em plena igualdade com os homens. Ele desafiou as convenções sociais ao ensinar, curar e partilhar a sua missão com mulheres, demonstrando que elas tinham o mesmo valor e importância no Reino de Deus.

A importância das mulheres no movimento de Jesus foi notória e continuou no desenvolvimento do cristianismo primitivo, onde desempenharam papéis de liderança como apóstolas, profetisas, diaconisas, discípulas e colaboradoras nas primeiras comunidades. Exemplos de figuras femininas essenciais incluem Maria, mãe de Jesus; Maria Madalena, a sua discípula predileta; Joana, Susana e outras que o acompanharam durante a sua vida.

Assim, o exemplo de Jesus oferece uma visão de integração e igualdade entre o masculino e o feminino, revelando um ideal de harmonia e respeito que transcende as limitações sociais de género. Ao recordar e valorizar esta tradição, restaura-se uma das dimensões mais transformadoras do legado de Jesus, promovendo uma espiritualidade inclusiva e uma prática que honra a sabedoria e a dignidade de todos os seres humanos.

Os ensinamentos reservados de Jesus sobre o lado feminino da Divindade 

Os ensinamentos reservados de Jesus sobre o lado feminino da Divindade oferecem uma visão profunda e transformadora da espiritualidade, focando no aspeto feminino do Divino que, ao longo da história, tem sido sistematicamente silenciado ou marginalizado em muitas tradições religiosas, incluindo o cristianismo. 

Estes ensinamentos, em grande parte esotéricos, estão associados à compreensão da Divindade como Realidade Absoluta que agrega as dimensões feminina e masculina, especialmente na compreensão de Deus Mãe ou da Mãe Divina como Espírito Santo, Shekhinah e Sabedoria (Sofía).

A Mãe Divina como Espírito Santo

No cristianismo tradicional, o Espírito Santo é frequentemente descrito como uma força impessoal e masculina, ou, no melhor dos casos, como uma manifestação de Deus no mundo. 

A incompreensão do aspeto feminino da Divindade, a Ruach HaKodesh (Espírito Santo) que, no hebraico, é termo feminino e associado ao chamado “Pilar da Mãe” do Ein Sof (Aquele que é Infinito) teve consequências negativas para a humanidade. Até hoje vemos o resquício de tal incompreensão no cristianismo institucional, que considera “o Espírito Santo” como um elemento masculino, ignorando inclusive que no livro do Génesis o ser humano é criado homem e mulher à semelhança da Divindade. 

No entanto, nos ensinamentos esotéricos, especialmente na tradição cristã primitiva e nas influências gnósticas, o Espírito Santo é visto como uma força divina feminina. Esta conceção está diretamente ligada à ideia de que o Espírito Santo não só inspira e orienta, mas também nutre, cura e gera, como a Mãe Divina. Jesus, ao ensinar sobre o Espírito Santo, não só revela um Deus que é Pai, mas também uma Mãe espiritual, uma energia criativa e transformadora que desperta os seres humanos para a verdade e a iluminação.


O Espírito Santo, como a Mãe Divina, é a força que torna possível a criação e a manifestação de toda a Vida, associada ao princípio feminino da Divindade. Ele não é apenas uma presença passiva, mas uma força ativa que habita todos os seres, guiando-os em direção à sua própria realização divina. A relação de Jesus com o Espírito Santo pode ser vista como a integração de ambos os aspetos da Divindade – o masculino e o feminino – em plena harmonia.

A Mãe Divina como Shekhinah

A Shekhinah é a presença divina manifesta, e na tradição judaica mística, especialmente na Cabala, é associada à Mãe Divina. Representa a luz radiante de Deus que habita o mundo material e se torna tangível nas experiências humanas. 

Em muitos textos místicos e esotéricos, a Shekhinah é identificada como a manifestação feminina de Deus, a presença que reside nas diversas dimensões do universo. Ela é muitas vezes descrita como a energia divina feminina que atrai a alma humana para a experiência da união com o Divino.

Nos ensinamentos de Jesus, a Shekhinah desempenha um papel importante na revelação do mistério da criação e da transformação espiritual. A Mãe Divina, como Shekhinah, é a força que traz a consciência espiritual para o mundo, ajudando os seres humanos a reconhecerem a sua verdadeira natureza divina. Ao integrar essa presença no seu ensinamento, Jesus sublinha a importância da Mãe Divina como a fonte por excelência de sabedoria, cura e proteção.

A Mãe Divina como Sabedoria (Sofia)

A dimensão feminina da Divindade foi também descrita pelos gnósticos cristãos através da Sabedoria. 

A literatura bíblica sapiencial, entre os quais os livros dos Provérbios e da Sabedoria, reconhecem que a Sabedoria assume o caráter de um poder divino, atributo divino ou uma personificação das funções de Deus. A Sabedoria está dinamicamente e intensamente envolvida nos acontecimentos da Criação. E é exatamente isso que o aspeto feminino de Deus é e faz.

Pode-se afirmar que a Sabedoria Divina mencionada na tradição das escrituras judaicas canónicas e apócrifas corresponde à Sofia no gnosticismo cristão. Sofia é vista como a personificação da Sabedoria Divina, um princípio feminino associado à criação e ao conhecimento espiritual, desempenhando um papel central na cosmovisão gnóstica como mediadora entre o Plano Divino e o universo material, incluindo a humanidade.

O tratado gnóstico Protenóia Trimórfica reforça essa ideia, descrevendo a Mãe Divina como Pensamento, Fala e Inteligência, presente em todos os seres e anterior a toda a criação.

Em suma, a Sabedoria é vista como a manifestação da energia feminina de Deus, a força que revela o mistério do cosmos.

Jesus, ao ensinar sobre a Sabedoria, não só se relaciona com o princípio masculino de Deus, mas também invoca o aspeto feminino da Sabedoria Divina, como a força que gera, orienta e transforma todos os seres. 

Em textos cristãos primitivos, Jesus é visto como aquele que comunica essa Sabedoria Divina, que é entendida como uma realidade simultaneamente transcendente e imanente, que conduz os seres humanos à iluminação espiritual e ao conhecimento direto do Divino.

 Jesus é descrito como aquele que revelou a Sabedoria, não apenas aos seus discípulos, independentemente do seu sexo, mas especialmente a Maria Madalena, que, foi a principal recetora dessa revelação. 

A Sabedoria, na sua forma mais pura, é transmitida através da comunicação mística, onde a compreensão não é apenas intelectual, mas vivenciada de forma direta e transformadora.

De acordo com o esoterismo cristão, Maria Madalena é apresentada como  personificação do aspeto feminino da Sabedoria Divina, e os ensinamentos que ela recebeu de Jesus abordam o despertar espiritual através da integração da energia feminina no processo de iluminação espiritual. Maria Madalena foi um dos seres mais próximos de Jesus, não apenas pelo seu papel de companheira e discípula, mas pela sua capacidade de receber, proclamar e praticar os ensinamentos profundos sobre a natureza espiritual do ser humano e o equilíbrio necessário entre as energias masculina e feminina.

Conclusão

Os ensinamentos reservados de Jesus sobre o lado feminino da Divindade são uma profunda revelação espiritual que ilumina o papel da Divindade como Espírito Santo, Shekhinah e Sabedoria (Sofía). Estes ensinamentos oferecem uma visão equilibrada da Divindade, onde o masculino e o feminino não são apenas complementares, mas igualmente essenciais para a compreensão da totalidade da Realidade Divina. 

Ao resgatar a relevância do aspeto feminino da Divindade, estes ensinamentos de Jesus revelam um caminho poderoso de iluminação onde a verdadeira união espiritual com o Divino se dá pela integração dessas energias complementares.

Os ensinamentos secretos de Jesus sobre o Divino Feminino revelam uma dimensão mística da maior relevância para a elevação da consciência da humanidade na sua relação consigo própria e a Fonte Divina da qual emana tudo o que existe. 


Daniel José Ribeiro de Faria 




BIBLIOGRAFIA 


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