
Naturopatia Acessível a todos?
Por Sandra Tavares em Agosto 2020
A perspetiva de uma Naturopata
Poderá ser um sonho distante, mas faria todo o sentido incluir as Terapias Não Convencionais no Sistema Nacional de Saúde, pelo menos para mim. No entanto, não acredito que seja possível num futuro imediato, ou que, ao se realizar esse sonho, se mantenham as TNC intactas, na sua essência. Muita tinta ainda vai correr sobre este assunto, principalmente porque da parte dos opositores a esta ideia, parece existir uma incompreensão sobre o que são, e como são aplicadas, as TNC.
“Não se pode salvar o planeta, sem se salvar as pessoas. Nada se consegue sem as pessoas.” Discutíamos os objetivos da Agenda 21 e o professor saiu-se com essa. Para nós, estudantes de Engenharia do Ambiente, o problema eram as pessoas, para o professor a questão estava na falta de envolvimento das pessoas, das comunidades, e a sua marginalização. Educar, instruir, guiar e dar a opção de escolherem o que era melhor para todos, e para o planeta, tinha efeitos mais duradouros que a simples proibição, multa ou prisão. A base de toda a luta pelo planeta estava nas pessoas. Sem elas, nada acontecia. Guardei as palavras e o sentido delas.
A Naturopatia surgiu na minha vida depois de abandonar o curso de engenharia do ambiente, deixar Viseu e seguir o marido para Lisboa. Entre tentar de novo, noutra instituição, ou mudar de rumo, venceu o desejo de estudar Fitoterapia e Aromaterapia, assuntos que já andava a estudar há algum tempo, desde que a minha avó me mostrou, e tratou, com as primeiras ervas. Como fui um bebé com pele atópica e sofria de eczema, passei anos a caminhar para Coimbra, sempre que as crises despoletavam. Na adolescência conseguimos controlar a doença, mas foi com a ajuda de um herbanário da aldeia. Seguir o sonho de poder ajudar outros tornou-se finalmente possível. O IPN de Lisboa abriu-me as portas e agarrei a oportunidade com as duas mãos. Fui o meu primeiro paciente, o marido o segundo. Em finais de 2009 recebemos a notícia que nenhum casal deseja ouvir: não seria possível engravidar sem recurso à ciência. Entre suplementação, alimentação e uns pontos de Auriculoterapia aplicados no marido, em Fevereiro de 2010 descobri que estava grávida. Pensei que ia ter de abandonar o curso, mas o IPN, mais uma vez estendeu a mão e disseram-me para trazer o bebé para as aulas. Assim fiz. Com ambos os filhotes!
A vida tem o dom de nos mostrar que há mais opções que aquelas que imaginamos e que nem sempre uma má notícia é negativo. Não se trata de lutar mais, de esforçarmo-nos mais, mas de entendermos que nem sempre aquilo que pensamos ser para nós, é. E que, variedade, multipluralidade, é vida.
Afinal, o que é Naturopatia? Se formos analisar a etimologia da palavra:
- Temos natura que significa “natureza” como na locução Natura rerum (o mundo), segundo Cícero (106-34 aC), e também significa “a universalidade das coisas”, “o universo”, “modo de ser”, “essência”, “leis da natureza”, “cursos das coisas”, “ordem natural”, “criação”. Natura vem do verbo nascar (nascer, brotar), relacionada com a raiz indo-europeia “gen” (gerar, dar à luz), também relacionada aos termos latinos genius, germe, nasci, etc.
- A vogal de união -o-, como em geologia, cardiopatia.
- Pathos que significa, neste caso, “o que é experimentado”, “o que é sofrido” (também “emoção”, “paixão), como as palavras patologia, cardiopatia, fitopatologia, patogenia, etc.
- O sufixo de associação -ia, como nas palavras entropia, misoginia, distrofia, etc.
Portanto, a Naturopatia (-ia) é “a cura de doenças (pathos) usando produtos naturais (natura)”, como fitoterapia (ervas medicinais), hidroterapia (terapia pela água), sais (haloterapia), aromaterapia, etc. Baseia-se no princípio de fazer com que o corpo se auto cure, que chegue a um estado de equilíbrio debaixo da premissa de não causar dano algum: “Primum non nocere”, ou seja “antes de mais e em primeiro lugar não causar dano (ao corpo, organismo). (link: http://etimologias.dechile.net/?naturopati.a)
Porque considerei tão importante mencionar a etimologia da palavra? Porque a internet já não é um lugar seguro para se buscar informação. A desinformação tem feito mais para minar as TNC que qualquer objeção por parte de alguma entidade. Agora que já se esclareceu, vamos ao que é, e representa a Naturopatia.
Um dos primeiros registos de que há memória data de 1600 a.C. e foi registado no Egipto. Trata-se um tratado de medicina herbal e entre as ervas mencionadas, encontramos os coentros, o zimbro, o funcho e o tomilho. Por volta de 1000 a. C. surge o “Livro de Medicina Interna do Imperador Amarelo”, um clássico da medicina tradicional chinesa.
Hipócrates (460 – 377), considerado o pai da medicina, recomenda uma alimentação viva, ervas medicinais e terapia pela água, como forma de se obter o equilíbrio.
Galeno (137 – 199) formaliza a teoria dos humores e os seus livros tornam-se textos médicos estandardizados. Avicena (980 – 1037), o grande médico árabe, mantém vivos os princípios galénicos com a sua obra “Qanun” a qual influencia os tratamentos médicos em todo o mundo. (In: “Herbalismo para uma vida saudável”, Shaw, Non, Ed. Könemann, 2000)
Sigmund Hahn (1664 – 1742) e o seu filho Johan Sigmind Hahn (1664 - 1773) revitalizaram a terapia pela água sugerida por Hipocrates, mas é Sebastián Kneipp (1821 – 1897), um pastor protestante quem revolucionou a hidroterapia e a naturologia. Kneipp afirmava que a doença aparecia no homem quando a sua força natural é minada por uma alimentação desadequada e um modo de vida anti-natural. A ainda reconhecida como “cura de Kneipp”,, envolvia banhos completos e parciais de água fria e quente, exercício físico, o uso de ervas medicinais e uma dieta saudável.
O inventor do muesli, Maximilian Bircher-Benner (1867-1939), era médico e desenvolveu a sua teoria de que alimentos vegetais crus possuem um poder de cura de vido a reterem a luz do sol. Prescrevia uma alimentação natural, pouco cozinhada.
Todo este conhecimento se reúne na Naturopatia moderna. Passado e presente, ciência e filosofia. Christopher Vasey, no seu livro “Pequeno Tratado de Naturopatia”, faz um bom resumo sobre o que engloba o tratamento naturopático:
“Naturopatia é o método terapêutico que trata as doenças com a ajuda de meios naturais, actuando sobre o terreno (organismo) não sobre os sintomas, e que apoia as forças curativas do organismo. É, portanto, uma terapia das profundezas, que actua sobre as causas e não sobre os efeitos.
Os meios naturais que emprega são divididos em dez técnicas:
- Técnica pelos alimentos: alimentação saudável, alimentos biológicos, sem aditivos, não refinados; regimes nutricionais para satisfazer as carências, complementos alimentares naturais.
- Técnica pela água: a Hidroterapia quente (ou fria), externa e interna (lavagens), geral (banhos) ou local (aspersão). Os banhos termais, de lama, a balneoterapia, etc.
- Técnica pelos exercícios: o exercício racional. A ginástica suave. A cultura física. Os vários tipos de ginástica ocidental e oriental. Local de desporto, ginástica dos órgãos.
- Técnica pelas plantas: as plantas medicinais. As diferentes formas sob que se apresentam: infusão, decocção, tintura-mãe, óleo essencial. Dosagem e emprego aquando da cura. Os frutos e os legumes com virtudes curativas.
- Técnica pelas mãos: os vários tipos de massagens: gerais, localizadas, desportivas, orgânica, higiénica, francesa, nórdica, chinesa… Manipulação das articulações.
- Técnica pelos reflexos: estimulação das zonas reflexas dos pés, das mãos, das orelhas, do nariz, das costas, por alisamento, percussão e massagens.
- Técnica pelos raios: ação dos raios do sol (helioterapia), influência dos raios lunares e dos astros. As cores e as suas virtudes.
- Técnica pelo gás: As técnicas de respiração. As ginásticas de reeducação respiratória. O ar, o oxigénio, os perfumes.
- Técnica pelos fluídos: magnetismo terapêutico. Revitalização pelo magnetismo das pedras preciosas ou semipreciosas e os ímanes, as correntes telúricas.
- Técnica pelas ideias: importância dos pensamentos e dos comportamentos. Gestão de tensão. Relaxamento. Sono, auto-gestão, visualização. Higiene mental.
(In: “Pequeno Tratado de Naturopatia”, Vasey,Christopher, Ed. Arte de Viver, 2009)
Segundo Bernard Lust (1872-1925): “A Naturopatia é a mãe, que a todos inclui, da terapia natural. É a plataforma de base para todos os métodos de cura; sem ela toda a arte de cura será um falhanço.” (In: “Nature Doctors: Pioneers in Naturopathic Medicine”, Friedhelm Kirhfeld & Wade Boyle, 1994) E assim é: ao longo do tempo terapias naturais foram desenvolvidas e usadas, pelo que a Naturopatia as engloba a todas, sem preconceito.
No fundo, tudo depende da escola de formação, do terapeuta, da preferência pessoal, do paciente. Não existe uma uniformidade. Nem pode existir - no conceito convencional da palavra - pois isso implicaria também convencionar o cuidado, padronizar, enfim, fazer o oposto do que se propõe: adequar o tratamento ao individuo. Cada caso é um caso. Não existem duas pessoas iguais, portanto, como pode existir um tratamento padronizado?
E este é apenas um dos argumentos de oposição à regulamentação das TNC, Naturopatia incluída, usado pela Ordem dos Médicos numa “Nota justificativa das alterações à proposta de lei das TNC”, onde afirmam: “Naturopatia
A formulação da Proposta é de uma abrangência tal que implica a necessidade de previsão de uma formação e desempenho de todas as TNC.
No entender da OM não deve ser essa a opção legislativa.
Atento o facto de se tratar de um método terapêutico que se centra na promoção da saúde, na prevenção, nos cuidados de saúde e tratamento que fomentam os processos de cura intrínsecos ao indivíduo, considerando que a saúde e a ecologia são inseparáveis, o seu conteúdo funcional deverá consistir na capacidade para fazer aconselhamento sobre estilos de vida baseados nos métodos naturais e estabelecer as estratégias terapêuticas tendo por base os conhecimentos obtidos no domínio das teorias da Naturopatia.
Assim, o tratamento naturopático deve, também, ser efetuado sob indicação ou referenciação médica.
De resto em vários países só os profissionais com formação médica podem exercer esta abordagem terapêutica, pela sua amplitude de ação.” (link: https://ordemdosmedicos.pt/nota-justificativa-das-alteracoes-a-proposta-de-lei-das-tnc/ )
Parece lógico, certo?
Só que não. A realidade é outra: enquanto a medicina convencional se concentra na doença, a Naturopatia trabalha na prevenção da doença, na promoção da saúde e, em caso de doença, o foco está no bem-estar do paciente. Durante a nossa formação os princípios fundamentais da Naturopatia são-nos instilados, até se tornarem intuitivos na nossa atuação como terapeutas. Esses princípios básicos são, entre outras considerações:
- O paciente em primeiro lugar. O seu bem-estar tem de ser salvaguardado.
- O paciente tem de ser responsabilizado pela sua saúde: deve ser envolvido em todo o processo, deve estar consciente do seu papel no processo de cura. Acima de tudo, o paciente tem total liberdade de aceitar, ou não, de fazer, ou não, o que for recomendado.
- O Naturopata é um “professor”, um guia, um orientador. A nossa atuação passa, principalmente, pela educação do paciente, e orientação ao longo do processo de cura. Em nenhum momento temos autoridade a exercer sobre o paciente. Em Naturopatia, a relação Naturopata/paciente é de igualdade.
- Anotar os sinais e sintomas, mas procurar a causa. Na medicina convencional, o tratamento passa por atenuar, ou eliminar, os sintomas. Em Naturopatia, os sintomas são indicativos de algo mais profundo. São eles que nos informam daquilo que o paciente pode até nem ter noção do que se está a passar no seu corpo. Descobrir a causa da doença é promover a cura.
- A Naturopatia considera que o estado de saúde engloba: estado de saúde física, mental, emocional e espiritual. Assim sendo, o tratamento tem de englobar o paciente como um todo e promover o bem-estar envolvendo toda a sua complexidade humana. O tratamento tem de ter em consideração, por exemplo: profissão, situação familiar, situação financeira, estado emocional, estado mental, ambiente social onde o paciente está inserido. Após avaliação, e sempre que necessário, o Naturopata irá recomendar outros terapeutas, ou mesmo encaminhar para especialidades médicas convencionais sempre que necessário.
- O Naturopata não pode, nem deve, interferir com o diagnóstico médico. Pelo contrário: deve informar-se de patologias existentes, medicação que o paciente esteja a tomar, etc. A função do Naturopata é de conduzir o paciente para o bem-estar, não o contrário. Informado sobre medicação, deve o Naturopata adequar a terapêutica natural de forma a que não interferira com a medicação. “Primum non nocere”: primeiro e antes de tudo, não causar dano.
Certamente, poderia escrever muito mais, mas o principal está reforçado: um Naturopata em nada se compara a um médico. Nem se quer comparar. Um médico que decida formar-se em Naturopatia só tem qualidade, e capacidades, a acrescentar à sua formação inicial, mas um Naturopata de formação, jamais será um médico. Poderá auxiliar o médico, mas nunca se sobrepor a ele. Por isso, não se entende a posição da OM. Nem a Naturopatia pode ser uniformizada, nem o tratamento padronizado, nem as diversas terapias podem ser desvalorizadas por “falta de consenso científico”, ou “estudos científicos que comprovem a sua eficácia”, até porque os estudos científicos dependem de financiamento para serem realizados com o devido cuidado, consomem muito tempo e dinheiro, e o retorno financeiro, num mercado cada vez mais capitalista, não compensa o investimento.
Estudos científicos existem e há de todo o tipo, e para todos os gostos! Somos inundados com publicidades enganosas de produtos com resultados garantidos com estudos científicos.
Não há muito tempo, uma marca de refrigerantes lançou os resultados de um estudo onde se concluiu que beber o refrigerante não causava obesidade ou diabetes, mas que isso era o resultado de uma vida sedentária e uma alimentação desadequada, não do consumo de refrigerantes. (Link: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/07/ciencia/1475858935_672186.html )
Temos o caso escandaloso das campanhas publicitárias, nos anos de 1930, com médicos no comando, onde se informava as pessoas que o tabaco até fazia bem, auxiliava ao emagrecimento e não causava cancro do pulmão ou dificuldades respiratórias. Por altura do lançamento da penincilina, oos médicos estavam nas graças do público, portanto, com alguns patrocínios, as campanhas publicitárias com médicos foram extremamente rentáveis. No entanto, as marcas persistiram em publicitar os cigarros agregados às palavras “estudos comprovam”, quando esses estudos não passavam de meros questionários enviesados formulados aos médicos. E perante a evidência de aumento de cancros de pulmão, a indústria tabaqueira lançou uma “Declaração franca aos fumadores”, onde declararam que a ligação entre fumar e cancro do pulmão era alarmante, mas que mesmo assim não era conclusiva, pelo que iriam formar um comité de investigação para aprofundar a questão.
Após tal declaração, os médicos deixaram de aparecer na publicidade aos cigarros. Já não convenciam o público. E os próprios profissionais de saúde passaram a advogar contra o consumo de tabaco, até ao estudo de 1964 em que a conexão entre consumo de tabaco e cancro do pulmão, cancro da laringe e bronquite crónica foi estabelecida. Ainda assim, a indústria do tabaco, através do seu comité de pesquisa continuou a afirmar que tal estudo era controverso, até 1998… (Link: https://www.history.com/news/cigarette-ads-doctors-smoking-endorsement)
A história da medicina moderna está repleta de casos destes, de falhanços e de grandes conquistas. No entanto, são as terapêuticas milenares, provadas no tempo, que lhes causam estranheza e aversão. Querem normalizar o impossível: não existem duas pessoas iguais.
Mas, não é esse o nosso objetivo: tornar a Naturopatia acessível a todos?
Sim. E não. Se “tornar acessível” implicar: normalizar, uniformizar, protocolar e ter um médico a pairar sobre o nosso ombro e a ditar como devemos atuar…? Então, não!
Todos os alunos que comigo se formaram, seguiram Naturopatia por diversos motivos, mas com um ponto em comum: a medicina convencional, em determinado momento, falhou-nos. Queríamos outras respostas e desejávamos poder ajudar outros a achar as respostas para os outros. Esse é o sentimento que ainda nos move, que ainda nos inspira e impulsiona a saber mais, aprender mais.
Todos vamos ao médico numa urgência. Tomamos antibióticos se for necessário, e numa dor de cabeça, usamos a medicação específica. O que não fazemos, de todo, é presumir que somos, ou sabemos, mais que um médico. Ou então, que o que é natural é melhor, etc… Tudo tem um lugar, um momento, uma hora. E a decisão será sempre do paciente.
Recordo-me do ano anterior ao meu casamento. Cheguei a Fevereiro com dores de cabeça permanentes. Já conhecia a Herbologia, por isso, fui fazendo o que achava ser melhor, dentro do que podia fazer. Melhoraram, mas não passaram. Algo mais sério se passava e, na impossibilidade de ir ao médico de família, recorri ao da medicina do trabalho. Durou uns cinco minutos a consulta. Saí com uma receita de comprimidos, mais recomendados para tratar a epilepsia segundo a bula, e com indicação de que, se as dores de cabeça não melhorassem, recorrer ao médico de família, ao fim de um mês. A meio da embalagem deixei de dormir, deixei de comer, vivia em sobressalto. Deixei de tomar. As dores de cabeça voltaram…. Fiz o que pude, pedi à minha mãe para ver se me arranjava uma consulta e, em duas semanas, na minha folga, tirei o dia para esperar o médico me atender. Tive sorte e fui atendida ao fim da manhã. Dez minutos, não mais. Mediu-me a tensão, fez as perguntas da praxe, viu-me os olhos, as amígdalas, perguntou sobre pílula (não tomava, pois, entre outras coisas, dava-me enxaquecas), enfim, fez o corriqueiro, menos ouvir-me. Vim embora com uma receita de paracetamol 1g, para tomar sempre que tivesse dor de cabeça e indicação para não a deixar passar para enxaqueca…
Dois médicos diferentes, a mesma sensação: senti-me invisível.
Uns dias depois, com uma crise de enxaqueca, tropecei no trabalho. Na confusão de membros, os meus óculos saltaram e pude verificar que realmente eu estava com sérias dificuldades em ver. No dia seguinte, saí do trabalho e marquei no optometrista. Conclusão: não era nenhum tumor cerebral, nem coisa da minha cabeça, nem estava a enlouquecer: eu estava era mais cegueta e o esforço que os olhos faziam era a raiz da minha dor de cabeça. Depois disso, só se estivesse para desmaiar de dores é que tomava alguma coisa, e ainda hoje é assim.
Muitos dos nossos pacientes procuram-nos por esse mesmo motivo: sentem-se invisíveis, como se as suas queixas não tivessem espaço dentro do protocolo. Procuram alguém que os ouça, na sua multitude de sinais e sintomas, sem serem julgados, sem serem diminuídos, sem sentirem que estão a demorar muito tempo, ou a fazer o médico perder tempo…
Por isso, também, muitos preferem o sistema privado de saúde, pois sentem que no privado os profissionais de saúde têm mais tempo para os ouvirem.
Outro motivo reside no facto de se sentirem sem soluções. Esgotam os especialistas, correm tudo, mas permanecem com uma qualidade de vida reduzida, sentem que repetem tratamentos, com o mesmo resultado.
Incorporar a Naturopatia no SNS, sem sacrificar a liberdade de cada terapeuta de usar as técnicas que melhor entende, sem sacrificar o tempo que dedicamos aos pacientes, sem sacrificar a qualidade do atendimento, seria muito bom para todos. Da nossa parte, só vemos vantagens, pois cremos que as pessoas só teriam a ganhar e libertaríamos os médicos para os casos de doenças agudas, ou degenerativas. Poderíamos acompanhar o paciente mais de perto, ser a ponte entre paciente e médicos. Utopia, talvez.
Preconceito é uma palavra feia, mas verdadeira. A classe médica tem um preconceito enraizado com as TNC. Não as conhece, não as consegue controlar, por isso as combate. Em nenhum momento se pode afirmar que “atrasamos diagnósticos”. Se não interferimos, também não vaticinamos decretos que afirmem que um paciente nosso não pode ir ao médico: a escolha é sempre do paciente, pois também temos um código deontológico que nos afirma que devemos informar sempre o paciente das nossas limitações e das suas opções.
Estamos perante um dilema. Se abdicarmos da nossa liberdade terapêutica para sermos incluídos no SNS, perdemos o que temos de melhor. Valerá a pena? O reconhecimento público por parte de uma entidade como a OM, valerá perder tudo o que nos distingue da medicina convencional? Se nos tornarmos convencionais, seremos ainda não-convencionais, permaneceremos holísticos?
No livro “Naturopathy Around the World: Variations and Political Dilemmas of an Eclectic Heterdox Medical System”, Hans A. Baer e Stephen Sporn, ND, 2009, Nova Science Publishers, Inc., os autores consideram que “a biomedicina passou a exercer um status dominante sobre as práticas médicas heterodoxas e populares” (p xv) como um sistema médico nacional de medicina alopática. Esse "status dominante" por parte da biomedicina permeia hoje, com a profissão de naturopatia sob ameaça de ser cooptada, diluída, extinta ou deliberadamente assimilada, dependendo de qual ponto de vista está sendo avaliado. Os autores avaliam todas essas perspetivas e investigam os desenvolvimentos históricos que moldaram a profissão, avaliando o grande sistema médico e a estrutura sociopolítica na qual a naturopatia está inserida. Eles escrevem ainda:
“Apesar do fato de que sistemas médicos alternativos podem, com o tempo, alcançar uma certa aparência de legitimidade e profissionalismo na forma de leis de licenciamento, registo estatutário, apoio governamental a programas de formação e pesquisa, popularidade por parte do público em geral e cobertura mediática, esses ganhos envolvem a acomodação crescente de profissionais alternativos a uma teoria reducionista. A menos que façam parte de uma grande transformação social, os sistemas médicos alternativos devem acomodar-se... Se quiserem sobreviver e prosperar.” (p xvi)
(In: https://ndnr.com/education-web-articles/book-review-naturopathy-around-the-world/)
Se há uma coisa que esta pandemia nos mostrou foi que o sistema socioeconómico que tivemos até aqui, não tem sustentação. Ou mudamos o rumo, ou caminhamos para a nossa extinção. Talvez esteja na hora de todos juntos pensarmos numa forma alternativa de vida, de consumo, de coexistência.
Não acredito na normalização da Naturopatia como forma de sermos reconhecidos, nem que a Naturopatia irá desaparecer nos volumes de burocracia médica. Acredito que a mudança está aí à porta e que teremos um contributo importante a dar, com, ou sem, reconhecimento. Não chegámos até aqui para desaparecermos nas pregas da medicina convencional. A luta continua. E nos entretantos, cá estaremos para ajudar, educar, apoiar, e tratar quem precisar, em harmonia com o que nos rodeia.
Sandra Tavares
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